domingo, 26 de fevereiro de 2012

uma escova, um travesseiro e uma camisinha

aos sete anos de idade, ele já havia tentando tanto fugir de casa que os pais tomavam precauções cada vez mais exageradas. o que aumentava a sua segurança, também aumentava sua sensação de aprisionamento.

berços nunca foram altos o bastante. com cinco, foi a primeira vez que alcançou a rua sozinho. ainda era muito inocente para saber que mesmo localizando o ponto de ônibus, com o dinheiro da passagem em moedas, o trocador não deixaria uma criança rodar a roleta sozinho. cinquenta passageiros furiosos esperaram o despachante localizar a mãe desnaturada, recebida com vaias e xingamentos.

em casa, já na presença do pai que voltou correndo do trabalho, não houve surras. apenas um forte abraço na tentativa de esquecer de tudo, que não passou de um pesadelo. se ele tivesse idade para entender, soltaria facilmente um puta que pariu para ambos.

nunca perguntaram o porquê de suas fugas. exceto pelo silêncio aterrador sobre as preferências escapatórias de um filho estranho, era uma família perfeita. com almoços de domingo, viagens em conjunto e muitos presentes trocados no Natal. o único compromisso era alguém estar sempre de olho nele. a vontade de escapar, por influência de uma tia que estudou Terapia Ocupacional, foi diagnosticada como uma leve tendência suicida. objetos cortantes foram trancados e os olhos vigilantes só aumentaram. dia e noite.

ele nunca pensou em se matar. matar alguém talvez. mas isso é normal, que já passou pela cabeça de qualquer ser humano sadio e que contribui ativamente para a sociedade. a recorrência em matar a tia que trabalhava com T.O. era um pouco mais problemática, mas pelas conversas familiares, ditas em sussurro, talvez ele ganhasse um novo abraço. dessa vez para comemorarem.

aos sete anos de idade, olhando para os pais, a única certeza é que ele não pertencia àquele lugar. havia ligações genéticas, comportamentais, mas talvez fosse a questão de estar no lugar errado, na hora errada.


de tanto o vigiarem, a escola virou uma má opção, segundo a tia da T.O. sua educação deveria feita em casa, pela própria parenta, que utilizava todos os seus ensinamentos ocupacionais com alguém que apenas não queria estar lá. muito menos com ela. 

finalmente quando a tia resolveu fazer uma especialização, novas correntes surgiram e os pais tiveram que comprar a sua primeira merendeira. ele não tinha medo nenhum de ir para a escola. quando cercado em festas infantis, teoricamente seguras, por crianças às vezes até um pouco maiores, que questionavam o porquê dele ser tão bebê, ele sempre arrumava uma faca de bolo e ameaçava cortar os bagos de um, ou desenhar um xis na genitália de alguma menina minada. isso surgia por instinto. era algo que ele sabia fazer. no decorrer dos aniversários ninguém mexia com ele e às vezes ganhava até um dos primeiros pedaços de bolo.


para o primeiro dia de aula, a especialização da tia o obrigou a aprontar a própria merendeira. na dúvida, entre um sanduíche e um achocolatado, preferiu colocar a escova de dentes, um lençol que dobrado viraria um travesseiro e uma camisinha, para um futuro não tão próximo assim.


a escova ele viu que era propaganda enganosa. o lençol teve sua utilidade. a camisinha ele usou menos de cinco anos depois.